Da ideia ao roteiro finalizado: 7 passos para planejar sua história em quadrinhos

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A escrita nasce como um rompante. Foi assim comigo e creio que também foi assim com muitas pessoas. Com o passar do tempo, o desejo se torna algo mais, ganha forma e define sobre o que cada um quer escrever. E eis que nasce um projeto.

Demorei anos até entender que escrever exige uma boa dose de disciplina com planejamento. E, para evitar que você perca tanto tempo quanto eu perdi, reuni alguns truques que aprendi no caminho que facilitarão muito a sua vida na hora de planejar sua história em quadrinhos.

Escolhi falar sobre HQ pela proximidade com roteiros de audiovisual – fonte de vários conceitos que tratarei aqui. No entanto, você pode utilizar as mesmas etapas para planejar o seu conto, sua novela ou seu romance.

Da mesma forma, você pode usar o meu e-book Guia Básico e Prático de Roteiro para sua próxima História em Quadrinhos para te auxiliar na construção da sua narrativa em prosa. Os capítulos sobre personagens, arquétipos, narrador, conflito e enredo são úteis para quaisquer escritores.

Ideia

Eis o começo de tudo, a sensação de que você tem algo sobre o que escrever. A ideia ainda não tem uma forma nem pode ser chamada de história; está distante, como uma galáxia recém-descoberta.

Luis Antonio de Assis Brasil, professor de escrita criativa na PUCRS, em seu livro Escrever Ficção, conta que as ideias nascem de duas formas.

A primeira é já prontas dentro da cabeça do escritor, fenômeno que ele chama de Big Bang. É quando personagens, enredo e ambientação parecem ter nascido prontos para serem escritos, sem nenhuma reflexão prévia sobre o assunto.

A segunda forma, que ele chama de Geleia Geral, nada mais é do que uma ideia construída aos poucos. É quando o autor formula em sua mente, ao longo do tempo, a ideia para sua próxima história. Um detalhe aqui, uma conversa ali, um personagem acolá; pedacinho por pedacinho, até que a ideia se solidifique e surja a necessidade de colocar tudo no papel.

A fase da ideia é a de maior indefinição. Muitas vezes, o roteirista não conhece bem seu personagem e nem qual é a sua busca.

Um bom exercício para esse momento é o magic if – mágico se –, proposto pelo escritor e roteirista de cinema Robert McKee em seu livro Story. Comece a fazer perguntas com suas ideias tais como “e se a energia elétrica fosse cortada durante 24h no mundo inteiro?” e veja se a partir dela você consegue construir o seu plot.

Plot

Plot é o núcleo central da ação dramática da sua história. Agora que você já escolheu a ideia, chegou a hora de começar a planejar sua história em quadrinhos.

É considerado o esqueleto da narrativa. É nessa fase que você decide quem é o seu personagem, o que ele deseja o que o impedirá de atingir seu objetivo. Em suma, o esqueleto ficará assim:

PERSONAGEM + DESEJO + CONFLITO

Por exemplo, o plot da minha HQ A Samurai:

Gueixa + quer encontrar a família biológica + terá que enfrentar forças místicas para encontra-la

Evite explicações elaboradas e deixe a escolha do nome do personagem para depois. Seja direto e simples; lembre-se que o plot é apenas o esqueleto e não a sinopse completa da sua história.

Às vezes, simplificar uma ideia demora, por isso reserve um tempo para elaborar o seu esqueleto e não desanime se as primeiras tentativas não ficarem boas – depois que você definir o seu plot, o restante do planejamento ficará mais fácil.

Lembre-se que o plot não é um tratado definitivo da sua história; você poderá muda-lo sempre que julgar necessário.

Logline

Logline é a primeira frase da sua história. É o resumão da sua narrativa, elaborado em não mais que uma ou duas frases curtas. Nele, você deve incluir o protagonista, o objetivo desse protagonista e o antagonista ou força antagônica.

Você ainda não precisa se preocupar com o nome do seu personagem central, mas precisa escolher um adjetivo que o caracterize; uma menina desastrada (adjetivo), por exemplo.

Procure incluir os riscos corridos pelo personagem caso ele não atinja o seu objetivo. Pergunte-se o que meu protagonista tem a perder caso ele não consiga o que deseja?

Ao escrever o logline, você já pode começar a pensar na ambientação da narrativa – ou seja, onde e quando a sua HQ acontecerá. Por isso, se achar necessário, inclua o local e/ou o tempo da história.

Exemplo de logline da minha HQ A Samurai:

No Japão feudal, uma gueixa impulsiva decide se tornar samurai para encontrar sua família biológica, mas, para encontra-la, terá que se envolver em uma disputa entre senhores feudais e despertará forças místicas, correndo o risco de ter sua verdadeira identidade revelada.

Sinopse

Depois de conhecer e escrever o núcleo da sua história, é hora de contá-la do início ao fim em um parágrafo. A esse parágrafo que resume a narrativa é dado o nome de sinopse.

Seu objetivo com essa sinopse é começar a clarificar o enredo – ou seja, a ordem dos acontecimentos – através de uma descrição mais profunda e detalhada da personagem e do conflito. A missão é resumir a história do início ao fim (sim, com spoilers!)

A partir de agora você deixará sua história personificada. Dê nomes aos personagens, identifique os lugares, fale um pouco sobre o ambiente e desenvolva o conflito.

Mas atenção: mantenha sua sinopse com, no máximo, oito linhas (uma média de 120 palavras). Deixe descrições mega detalhadas do universo que você criou para depois.

Vale lembrar que essa não será a mesma sinopse que você utilizará na quarta capa da sua publicação. Depois de criar sua história em quadrinhos e ter todas as páginas prontas em mãos, você escreverá uma outra sinopse, agora com o objetivo de deixar o possível leitor curioso para ler a sua HQ.

Exemplo – sinopse da minha HQ A Samurai: Primeira Batalha:

Michiko é uma gueixa impulsiva que, após passar anos fugindo do okiya (casa das gueixas) e treinando para ser uma samurai, enfrenta sua primeira batalha. Ainda inexperiente, ela mata Jouji, um camponês inocente que queria defender a família. Sentindo-se culpada pelo ocorrido, ela se torna amiga de Yoshiko, agora viúva de Jouji, para ajudá-la. Depois de algum tempo de convivência, a mulher descobre que Michiko é assassina do seu marido e decide acertar as contas com ela. Depois de uma discussão, Michiko aceita ser morta por Yoshiko. Quando está prestes a cortar o pescoço de Michiko com um machado, Yoshiko a deixa ir, sabendo que a samurai carregará, pelo resto da vida, o peso de ter destruído uma família.

Argumento

O argumento é bastante usado no cinema. Muitos roteiristas o consideram o início do trabalho da escrita, mas aqui eu o trarei como mais uma parte do planejamento da sua história em quadrinhos.

Ele é mais detalhado e dramático do que a sinopse da história e sempre é escrito no tempo presente. Nele, você não precisa se preocupar com formatação nem descrições quadro a quadro, apenas com o que está acontecendo em cada uma das cenas da sua HQ.

Imagine que você está contando a sua história para alguém. Quais reações você espera que as pessoas tenham ao lê-la? O argumento também é uma ferramenta de apresentação da sua narrativa, por isso é escrito em prosa (texto corrido) e deve suscitar no leitor as emoções, reviravoltas e sentimentos que estarão presentes no roteiro.

O site Tertúlia Narrativa tem vários exemplos de argumentos de filmes e séries para você dar uma olhada e seguir como exemplo, caso queira.

O argumento que eu utilizo ao criar minhas histórias em quadrinhos funciona como um guia de acontecimentos. Nele, eu prevejo os atos da narrativa, os pontos de virada e quantas páginas cada parte da minha história terá.

Exemplo – o argumento do primeiro ato da HQ Zahira (em produção):

Ato I (09 páginas) – É final de tarde, Samir está em um bar, bebendo e jogando xadrez; Cassandra está dançando com outras ciganas no local e o observa de longe. O exército Nasrida passa pela rua, com Zahira no seu cavalo, anunciando que eles estão à procura de um espanhol chamado Velásquez e que pagam bem para qualquer um que tenha alguma notícia sobre ele. Samir se mostra irritado com a perturbação causada pelo exército e deixa claro que não se importa com os rumos que a guerra toma. Ao voltar para o seu jogo, ele tem certeza de que ganhará a partida e aposta a única coisa que lhe resta: a túnica de seda que veste, sua última peça de roupa. Depois de perder a aposta, ele sai nu e bêbado do bar, andando por vielas vazias para não ser visto. Entre atrapalhado, encrencado e bêbado, ele tropeça na armadura que antes pertencia a Velásquez, diferenciada pelas plumas no capacete. Sem se importar com nada, ele a veste e dorme ali mesmo, na sarjeta. Quando acorda, está diante do portão de Alambra, sendo carregado por dois homens do exército Nasrida.

Roteiro

Depois de todas essas etapas de planejamento, chegou a hora de escrever a sua história em quadrinhos!

A primeira dúvida do roteirista iniciante é como esse roteiro deve ser escrito. O que colocar nele? O que tirar? Se essas forem suas dúvidas, recomendo a leitura do artigo em que reúno vários elementos essenciais para um bom roteiro de HQ.

Aqui quero falar apenas sobre estrutura.

Ao contrário do cinema, não existe uma estrutura definida de roteiro para histórias em quadrinhos. Ninguém da Patrulha dos Roteiristas de HQ virá te cobrar uma multa se você fizer um roteiro fora dos padrões.

Dito isso, a estrutura que proponho é a mesma que eu uso nos meus roteiros:

Página xx – descrição das cenas da página

Quadro xx.xx – descrição do que será mostrado no quadro, com indicação de ordem e a qual página pertence

Recordatório – texto narrativo do quadro, se houver

NOME DO PERSONAGEM – em negrito, caixa alta e centralizado

Fala do balão – abaixo do nome do personagem, centralizado

Repita essas etapas quantas vezes forem necessárias, até terminar o seu roteiro. Procure ser descritivo – ou seja, não divague em elementos que não aparecerão em quadro. Lembre-se que você está escrevendo uma narrativa gráfica, não um conto ou um romance.

Reescrita

Depois de criar o seu roteiro de história em quadrinhos, chegou a hora de esquecer um pouco dele. A reescrita é um processo contínuo de aprimoramento do seu texto e, por isso, não deve ser ignorado.

Stephen Koch, no livro Oficina de Escritores, defende que um escritor só conhece a sua história do início ao fim depois de escrevê-la uma vez. Sendo assim, terminar o roteiro serve apenas para que você conheça a sua história.

O próximo passo é lapidá-lo.

O processo é simples: termine, distraia-se e depois volte para ler seu roteiro com um olhar de leitor. Nem sempre é um processo fácil, por isso a reescrita, assim como a escrita, exige uma boa dose de treino.

Depois de reler o seu texto, é hora de ajustar tudo que ficou fora do lugar. Sua missão aqui é revisar o enredo da sua história com o intuito de evitar os famosos furos de roteiro. Por exemplo, se seu personagem recebe um livro mágico que o ensina a usar a magia para derrotar o vilão e, em outro momento do roteiro, se pergunta por que o mestre dele não lhe entregou o livro, será que não temos um problema?

Lembre-se sempre da arma de Tchekhov: Se no primeiro ato você tem uma pistola pendurada na parede, então, no último ato você deve dispará-la.

Releia e reescreva seu roteiro quantas vezes forem necessárias até que ele esteja pronto. Só tome cuidado com o perfeccionismo: faça o melhor que você pode com o que tem em mãos, finalize o roteiro e publique sua HQ antes de começar um novo projeto.

Uma das grandes satisfações de ser escritor é concluir os ciclos das histórias; então pare de largar suas ideias pela metade e mãos à obra!

Planejar sua história é a melhor forma de escrevê-la até o fim

Sem o devido planejamento é muito, mas muito mais sofrido, criar a sua história em quadrinhos – e digo por experiência própria.

Sentar para escrever sem saber ao certo quais rumos sua narrativa tomará pode até ser divertido quando se trata de histórias curtas, mas em um enredo longo é quase impossível não deixar buracos pelo caminho.

Também fica fácil largar uma história no meio quando não sabemos para onde ir. Por isso, planejar é importante e, ao contrário do que alguns podem pensar, ajuda a criatividade.

Ao nos desafiarmos, traçarmos metas e colocarmos objetivos na produção das nossas histórias em quadrinhos, somos forçados a pensar fora da nossa zona de conforto.

Deixo o conselho de alguém que já foi muito relapsa ao escrever: planeje a sua narrativa, você não se arrependerá.

E, claro, quanto mais ajuda, melhor. Se você gostou desse artigo e quer aprofundar ainda mais os seus conhecimentos em roteiro, conheça o meu Guia Básico e Prático de Roteiro para a sua próxima História em Quadrinhos.

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Quem escreve sobre escrita

Mylle Pampuch

Mylle Pampuch escreve e edita livros. Publicou as histórias em quadrinhos A Samurai e Doce Jazz e os livros de contos A Sala de Banho e Realidades pré-distópicas (& modos de usar). Ministra oficinas de escrita criativa, orienta autores em seus projetos literários e incentiva todos que queiram a escrever e publicar suas próprias histórias.

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